Os olhos de quem nasce nas ilhas são diferentes de todos os olhos com os quais os meus já se cruzaram. Lembro-me da primeira vez que conheci Mário Lopes e a poeta Goretti Pina, das ilhas de São Tomé e do Príncipe, respectivamente, e de como me senti diante deles. Têm tanta água nos olhos, pensei, deslumbrado. Nunca vira, até então, alguém cujos olhos me falavam tanto do oceano e dos seus mistérios, das suas dores, dos seus medos, da sua saudade, das suas profundezas, das suas utopias, da sua esperança. Neles vi as praias do Príncipe, as ondas, os barcos que vêm e que vão. Neles vi a ilha que ainda não conheci. Mas vi-a, em reflexo. E vi todo o silêncio de quem leva uma vida a olhar o horizonte.
Quando decidiu distribuir dons à humanidade, a natureza concedeu aos ilhéus a beleza dos olhos líquidos, os que nos olham na nossa inteira humanidade e nos abraçam, nos aceitam, nos acolhem. Acto de tamanha generosidade, pois é acto de entrega, de dádiva. Só procede assim quem sabe quem é. Só procede assim quem se conhece ao ponto de não temer o outro, o estrangeiro.
Desde a minha chegada à Ilha Terceira, tenho-me encontrado com olhos parecidos com os do Mário e da Goretti. Olhos nascidos dentro das conchas, como as pérolas, e que brilham com a mesma intensidade das águas tocadas pelo sol. Olhos onde me vejo reflectido, nu, na minha mais íntima expressão. Porque são olhos que vêem, que sabem. Por isso, olhos da verdade, e da justiça também, pois os povos marinhos sempre lutam do lado da justiça porque sabem do rigor e da soberania do oceano. Sabem da liberdade.
Aqui, na Praia da Vitória, os olhos das gentes dão testemunho dessa aliança antiga, revelando o espírito que as anima, espírito que não teme o mergulho, o abismo. Talvez se deva ao mar, esse grande espelho com que fazem fronteira as ilhas, por devolver reflexos sem cessar e por ser caminho de partida e chegada, ou ao uivo do vento, que nada mais permite escutar além do coração a bater no peito. Não sei o que é. Sei, sim, que os olhos dos ilhéus têm a luz dos faróis. E que a ilha é sábia e mestra.